Vista de cima, de um dos seus miradouros, a Lagoa das Sete Cidades é enorme, de uma beleza tão idílica que parece inalcançável. É perfeita assim, a repousar na cratera formada ao longo de milhares de anos por sucessivas erupções vulcânicas. Mas para os verdadeiros devoradores de paisagem, como nós, era preciso explorar mais, de perto, por dentro. Queríamos navegar naquelas águas calmas (e fomos – vejam aqui como foi navegar na Lagoa das Sete Cidades), mas também percorrer as suas margens. Com trilhos espaçosos e pouco acidentados, a envolvente da lagoa pedia um desafio maior do que apenas caminhar.
Se há um desporto que permite explorar os lugares ao nosso ritmo, em grande contacto com a natureza, lugares e pessoas, percorrendo mais facilmente grande distâncias, esse desporto é mesmo andar de bicicleta. Quem visita S. Miguel chega (quase sempre) de avião e por isso precisa de alugar as bicicletas na ilha. Complicado? Nada. Há muita oferta de actividades de ar livre nos Açores e o BTT é uma delas. Nas Sete Cidades, uma das melhores opções é recorrer à Futurismo. Além de bicicletas todo o terreno, têm canoas e caiaques no Centro de Actividades nas margens da Lagoa Azul.
Foi a nossa escolha, não só por já conhecermos a Futurismo de outras aventuras, como também porque esta empresa tem packs que combinam numa só tarde ou manhã passeios de bicicleta e de caiaque ou Stand Up Paddle para aproveitar todo o ambiente natural da Lagoa das Sete Cidades, em terra e na água.
Ao chegarmos, foram-nos entregues as bicicletas e tivemos ajuda para ajustar os assentos às nossas alturas (há bicicletas de adulto e de criança e não tenho nada a apontar, pois as que nos deram eram Specialized e estavam em bom estado). Já equipados, lançámo-nos à estrada. Apesar de não conhecermos a zona, é simples fazer este passeio sem guia. Basta gerir o percurso, à vontade de cada um, de modo a voltar com tempo de ir para as actividades de água. No total, entre 3 horas a 3 horas e meia (o tempo previsto para estas duas actividades pela Futurismo) permitiram-nos fazer tudo calmamente. Mas tenham em conta que estarão nos Açores e, aqui, o apelo da exuberância é tão grande que é praticamente impossível não quererem deter-se por mais tempo do que o previsto para qualquer experiência.
Decidimos fazer toda a silhueta da margem da Lagoa Azul, começando por atravessar a Ponte dos Regos, que permite que as águas desta lagoa e da vizinha Lagoa Verde fluam entre si. Esta pequena ponte em pedra, concebida pelo arquiteto paisagista belga J. J. Dumond, é também conhecida como a Ponte dos Sete Arcos e marca a paisagem local desde 1967.
Viramos à esquerda após a ponte para começar a nossa pequena aventura. O percurso começa com zonas de algum desafio com pequenas subidas em terreno bem próprio para BTT. Os mais pequenos ou menos habituados a esse esforço podem sempre levar a bicicleta pela mão nas subidas. Mas pouco depois há descidas muito divertidas e nada perigosas. Vão dar, mais à frente, a caminhos completamente planos e largos, que primeiro se abrem para revelar a lagoa e logo a seguir nos levam ao deleite dos campos de erva macia ou de milho, que se estendem das margens até à envolvente de vegetação nas escarpas da caldeira vulcânica.
Pelo caminho, vêem-se rebanhos das tão características vacas felizes. E a acompanhar tudo isto, as apetecíveis e inevitáveis paragens para ver tudo de perto e… fotografar. Este é um trilho, no geral, fácil e perfeito para famílias. Deixo-vos a vista aérea, disponível no Google Maps, do percurso que fizemos, para ficarem com uma ideia melhor deste passeio e, espero, com vontade de o fazerem também!
Este é um passeio que permite conhecer as Sete Cidades como comunidade viva, muito além da imagem postal – bem merecida, é certo – das suas bonitas Lagoas. Pudemos ver, ainda na vila das Sete Cidades, meninos a brincarem no recreio de uma escola primária, daquelas com arquitectura do pré-25 de Abril e que, no continente, estão na sua maioria abandonadas ou foram reconvertidas para novos usos. A minha escola primária em Viana do Castelo tinha o mesmo exacto traçado, só que era bastante maior. Ver esta pequena escola com vida trouxe-me boas recordações. Há tempo para fazer uma paragem na avenida de árvores que conduz à capela de São Nicolau. A capela em si é simples, mas adornada pela fileira de altos pinheiros que se estendem da sua porta até à estrada, ganha um encanto muito especial.
A margem nascente da Lagoa Azul que percorremos até não haver mais caminho, é nada menos do que esplendorosa. Mas há gente aqui. Na aldeia de Cerrado das Freiras, os criadores de gado cuidam das suas vacas. Os agricultores colhem o milho ou lavram as terras. Nos caminhos de floresta, jardineiros limpam e aparam os caminhos entre árvores respeitando o equilíbrio deste habitat singular. A todos dissemos “Boa tarde!” e todos nos responderam com simpatia. Reparámos que isso não se passava com os estrangeiros que percorriam os mesmos caminhos. Para eles este cenário será mais como um quadro num museu, em que não se entra verdadeiramente, apenas se contempla. A diferença é que nós somos portugueses. Somos viajantes neste lugar, mas ao mesmo tempo sentimo-nos parte dele, sentimo-lo nosso – que orgulho! E os açorianos gostam desta familiaridade que queremos cultivar. Não seria capaz de passar numa aldeia, num caminho, sem cumprimentar os locais. Gosto mais ainda quando podemos conversar um pouco, aprender mutuamente. Ouvir contar histórias das terras por onde estou de passagem e contar as minhas, levar comigo o sentido dos lugares. E eles tornam-se mais do que paisagens, tornam-se histórias, que partilho convosco.
A sensação de calma que ganhámos neste passeio só rivalizava com o deslumbramento de sentirmos que estávamos, mesmo, no interior da caldeira de um vulcão. A caldeira das Sete Cidades tem cerca de 5 km de diâmetro e uma profundidade de 400 metros (desde o topo das escarpas até ao fundo da lagoa).
A parte da ida do nosso percurso bicicleta terminaria no Jardim da Lagoa Azul, um espaço relvado à sombra de árvores, com um dos mais bonitos parques de merendas da ilha de S. Miguel. Um pequeno ribeiro impedia-nos a passagem e já eram horas de voltar ao ponto de origem, onde nos esperava um passeio de caiaque e SUP. Este não seria um daqueles dias que deixam a sensação de que poderíamos ter feito mais, como muitas vezes acontece nas férias. Este foi um dia pleno.