Conteúdo deste artigo:
- 1 Trago comigo imagens de lugares encantados de Portugal, que embora ainda não tenha visitado parecem já fazer parte da minha história. E acho que isso é porque, de certa forma, já fazem. Há um fio invisível que me une a cada um dos lugares que o meu país guarda e que perduram no tempo, mesmo que adormecidos, esquecidos ou abandonados. A Aldeia da Pena, em São Pedro do Sul, é um desses lugares. Faltava-me entrar naquela aldeia dos postais.
- 2 A VIAGEM
- 3 Já me tinham avisado que a estrada para chegar à aldeia era muito apertada e íngreme, mas isso não me fez desistir. Liguei o GPS e segui pelo caminho mais curto a partir de Oliveira de Frades (55 minutos para 33 km de estrada), sem saber que era o mais aventureiro, mas ainda bem. Fiz a viagem praticamente sem um carro à vista, subindo uma grande montanha, até chegar ao topo da Serra de São Macário.
- 4 Mais de metade do percurso é feito a subir e quando a estrada se faz pelo lado de fora da montanha é preciso cuidado. Ao chegar ao topo a vista prolonga-se por muitos quilómetros e, um pouco à frente, fica o Parque Eólico de Covas do Rio. Aproveitei para, finalmente, ver aquelas torres de perto e, bem, posso dizer-vos que são assustadoramente grandes, de uma dimensão que impressiona ainda mais quando acompanhada de perto pelo som grave das pás em movimento. De volta à estrada, vejo após uma bifurcação um sinal indicando a Aldeia da Pena.
- 5 A DESCIDA
- 6 Quando finalmente avistei a aldeia no fundo do vale, parei o carro para fotografar aquele vestígio brilhante de casas de xisto enquanto ainda reflectia o sol. Aproveitei para avaliar a estrada que tinha pela frente. O caminho não é fácil, restava-me seguir viagem esperando não me cruzar com quem viesse a subir. Desci lentamente. O percurso é muito sinuoso e com alguns troços apertados. Uns dez minutos depois chegava à entrada da aldeia, onde se deixam os carros. Aliviada por tudo ter corrido bem e com sentido de missão cumprida por não ter desistido.
- 7 A CHEGADA
- 8 Assim que saí do carro vi que tinham sido retirado camadas à montanha ao meu lado, deixando exposta uma estrutura de rochas coloridas. Geométrica, tridimensional, poderia ter inspirado uma das obras da minha muito querida Vieira da Silva. A pintora que disse, em idade já avançada, que não temia a morte, mas antes não ter tempo para fazer tudo o que queria em vida. Une-me a Vieira essa ânsia do que está por fazer, mas não superei ainda o medo da morte. Em lugares como este iludo a finitude. A Pena extravasa-se. Os grandes penedos do maciço da Gralheira que a rodeiam não a diminuem, antes a protegem. Podem privá-la de algumas horas de luz, mas em compensação permitem que o Sol chegue na dose certa para dar à vegetação um tom verde puro e fresco. A Aldeia da Pena é um ninho entre rochedos.
- 9 As casas mais antigas da Aldeia da Pena parecem estar suspensas no tempo, as casas mais recentes estão fechadas. Receei por momentos que este pedaço do nosso património se tivesse tornado apenas num ponto de interesse para raros turistas. Mas depressa percebi que o lugar para onde acorriam os outros visitantes, logo à entrada da aldeia, é na verdade o espaço de uma das duas famílias que a habitam, por paixão. Juntos recebem quem chega no seu restaurante e casa de petiscos Adega Típica, com uma esplanada sobre a ribeira de água cristalina. O casal e as suas duas filhas compõem dois terços da população da Pena, que só tem seis habitantes.
- 10 Não me detive na simpática esplanada, pois tinha acabado de chegar. Percorri a Rua Principal (a única da aldeia) admirando as velhas casas, construídas pedra a pedra, onde me apercebo de outros sinais de vida rural. Um grupo de galinhas passeava entre as casas. Ao dobrar uma esquina ouvi o roncar de um porco num velho curral, construído sobre um rochedo de granito, que sempre ali esteve.
- 11 As aldeias construídas em xisto têm esta característica notável de estar em harmonia com o seu meio natural. Aqui, na Pena, o xisto e o quartzito, matéria da própria paisagem, foram transformados numa aldeia. Se isso não tivesse acontecido, estariam aqui na mesma, simplesmente teriam outra forma.
- 12 A aldeia é pequena e pela rua principal chega-se a uma pequena cancela de ferro. Não é uma barreira, ao lado apenas está um pedido para que se feche ao passar. Assim fiz. A partir deste ponto a aldeia funde-se com a paisagem. O horizonte é feito da visão magnífica de um conjunto de grandes penedos escarpados. A mim parece-me uma antiga aguarela de paisagem japonesa transformada em realidade, tal e qual. Os penedos circundantes emolduram uma cascata de socalcos verdes. E é numa clareira entre as árvores que vejo um casal de cavalos dourados. Pastam livremente, como se ali estivessem desde o início dos tempos. É um cenário que podia ter sido sonhado, mas neste caso é uma coisa boa que a realidade supere sempre a ficção.
- 13 Deixei-me ficar algum tempo a absorver cada traço daquela paisagem. Uma coisa assim pede tempo, uma coisa assim faz a vida parecer maior.
É a sentir-me maior que regresso à parte alta da aldeia. Faltava-me seguir a placa que apontava para o “Artesanato Augusta”. Fica junto à antiga capela. Não encontrei a dona Augusta, mas sim o seu marido, que me convidou a entrar na pequena loja com genuína simpatia. António Arouca regressou à Pena após uma vida em Lisboa. Na loja vende miniaturas de casas de xisto e mel que cultiva, “o único verdadeiro da Pena”, e meias de lã tricotadas pela esposa. Conta-me que gosta de ver gente na aldeia e que tem um primo que vai abrir um turismo rural ainda este ano.
Fico contente por saber que a Aldeia da Pena se mantém viva, pronta a receber os viajantes que procuram verdadeiros tesouros do nosso património, aqueles que nunca pretenderam ser opulentos, que até existiam timidamente, quiçá sonhando com o vasto mundo para lá das suas muralhas de pedra.
Na minha viagem à aldeia da Pena senti um regresso a outro tempo, ou melhor, senti que o tempo permanece grande nas pessoas que o transportam por muitas eras, com a minha língua e o meu sentimento. Português, portanto.
- 13.1 Informações úteis
- 13.2 Localização: Localizada no vale da ribeira da Pena, na Serra de São Macário, a 5 km da EN2 e a 21 km de São Pedro do Sul.
- 13.3 Quando ir: O Verão é uma boa altura para visitar a Pena, porque os dias são maiores e há mais horas de sol para estar na aldeia com luz. No Inverno há alturas em que a aldeia se cobre de neve criando um cenário lindíssimo para fotografar.
- 13.4 Como chegar: Não há transportes para a Aldeia da Pena por isso tem mesmo que ir de carro.
Trago comigo imagens de lugares encantados de Portugal, que embora ainda não tenha visitado parecem já fazer parte da minha história. E acho que isso é porque, de certa forma, já fazem. Há um fio invisível que me une a cada um dos lugares que o meu país guarda e que perduram no tempo, mesmo que adormecidos, esquecidos ou abandonados. A Aldeia da Pena, em São Pedro do Sul, é um desses lugares. Faltava-me entrar naquela aldeia dos postais.
A VIAGEM
Já me tinham avisado que a estrada para chegar à aldeia era muito apertada e íngreme, mas isso não me fez desistir. Liguei o GPS e segui pelo caminho mais curto a partir de Oliveira de Frades (55 minutos para 33 km de estrada), sem saber que era o mais aventureiro, mas ainda bem. Fiz a viagem praticamente sem um carro à vista, subindo uma grande montanha, até chegar ao topo da Serra de São Macário.
Mais de metade do percurso é feito a subir e quando a estrada se faz pelo lado de fora da montanha é preciso cuidado. Ao chegar ao topo a vista prolonga-se por muitos quilómetros e, um pouco à frente, fica o Parque Eólico de Covas do Rio. Aproveitei para, finalmente, ver aquelas torres de perto e, bem, posso dizer-vos que são assustadoramente grandes, de uma dimensão que impressiona ainda mais quando acompanhada de perto pelo som grave das pás em movimento. De volta à estrada, vejo após uma bifurcação um sinal indicando a Aldeia da Pena.
A DESCIDA
Quando finalmente avistei a aldeia no fundo do vale, parei o carro para fotografar aquele vestígio brilhante de casas de xisto enquanto ainda reflectia o sol. Aproveitei para avaliar a estrada que tinha pela frente. O caminho não é fácil, restava-me seguir viagem esperando não me cruzar com quem viesse a subir. Desci lentamente. O percurso é muito sinuoso e com alguns troços apertados. Uns dez minutos depois chegava à entrada da aldeia, onde se deixam os carros. Aliviada por tudo ter corrido bem e com sentido de missão cumprida por não ter desistido.
A CHEGADA
Assim que saí do carro vi que tinham sido retirado camadas à montanha ao meu lado, deixando exposta uma estrutura de rochas coloridas. Geométrica, tridimensional, poderia ter inspirado uma das obras da minha muito querida Vieira da Silva. A pintora que disse, em idade já avançada, que não temia a morte, mas antes não ter tempo para fazer tudo o que queria em vida. Une-me a Vieira essa ânsia do que está por fazer, mas não superei ainda o medo da morte.
Em lugares como este iludo a finitude. A Pena extravasa-se. Os grandes penedos do maciço da Gralheira que a rodeiam não a diminuem, antes a protegem. Podem privá-la de algumas horas de luz, mas em compensação permitem que o Sol chegue na dose certa para dar à vegetação um tom verde puro e fresco. A Aldeia da Pena é um ninho entre rochedos.
As casas mais antigas da Aldeia da Pena parecem estar suspensas no tempo, as casas mais recentes estão fechadas. Receei por momentos que este pedaço do nosso património se tivesse tornado apenas num ponto de interesse para raros turistas.
Mas depressa percebi que o lugar para onde acorriam os outros visitantes, logo à entrada da aldeia, é na verdade o espaço de uma das duas famílias que a habitam, por paixão. Juntos recebem quem chega no seu restaurante e casa de petiscos Adega Típica, com uma esplanada sobre a ribeira de água cristalina. O casal e as suas duas filhas compõem dois terços da população da Pena, que só tem seis habitantes.
Não me detive na simpática esplanada, pois tinha acabado de chegar. Percorri a Rua Principal (a única da aldeia) admirando as velhas casas, construídas pedra a pedra, onde me apercebo de outros sinais de vida rural. Um grupo de galinhas passeava entre as casas. Ao dobrar uma esquina ouvi o roncar de um porco num velho curral, construído sobre um rochedo de granito, que sempre ali esteve.
As aldeias construídas em xisto têm esta característica notável de estar em harmonia com o seu meio natural. Aqui, na Pena, o xisto e o quartzito, matéria da própria paisagem, foram transformados numa aldeia. Se isso não tivesse acontecido, estariam aqui na mesma, simplesmente teriam outra forma.
A aldeia é pequena e pela rua principal chega-se a uma pequena cancela de ferro. Não é uma barreira, ao lado apenas está um pedido para que se feche ao passar. Assim fiz. A partir deste ponto a aldeia funde-se com a paisagem. O horizonte é feito da visão magnífica de um conjunto de grandes penedos escarpados. A mim parece-me uma antiga aguarela de paisagem japonesa transformada em realidade, tal e qual. Os penedos circundantes emolduram uma cascata de socalcos verdes. E é numa clareira entre as árvores que vejo um casal de cavalos dourados. Pastam livremente, como se ali estivessem desde o início dos tempos.
É um cenário que podia ter sido sonhado, mas neste caso é uma coisa boa que a realidade supere sempre a ficção.
Deixei-me ficar algum tempo a absorver cada traço daquela paisagem. Uma coisa assim pede tempo, uma coisa assim faz a vida parecer maior.
É a sentir-me maior que regresso à parte alta da aldeia. Faltava-me seguir a placa que apontava para o “Artesanato Augusta”. Fica junto à antiga capela. Não encontrei a dona Augusta, mas sim o seu marido, que me convidou a entrar na pequena loja com genuína simpatia. António Arouca regressou à Pena após uma vida em Lisboa. Na loja vende miniaturas de casas de xisto e mel que cultiva, “o único verdadeiro da Pena”, e meias de lã tricotadas pela esposa. Conta-me que gosta de ver gente na aldeia e que tem um primo que vai abrir um turismo rural ainda este ano.
Fico contente por saber que a Aldeia da Pena se mantém viva, pronta a receber os viajantes que procuram verdadeiros tesouros do nosso património, aqueles que nunca pretenderam ser opulentos, que até existiam timidamente, quiçá sonhando com o vasto mundo para lá das suas muralhas de pedra.
Na minha viagem à aldeia da Pena senti um regresso a outro tempo, ou melhor, senti que o tempo permanece grande nas pessoas que o transportam por muitas eras, com a minha língua e o meu sentimento. Português, portanto.
Informações úteis