Sophia de Mello Breyner Andresen, em foto de João Cutileiro, nos anos 60

Sophia de Mello Breyner Andresen, em foto de João Cutileiro, nos anos 60

 

Uma amiga muito querida enviou-me hoje um poema de Sophia de Mello Breyner Andresen. Pensava ela, a minha amiga, nos problemas que o nosso país atravessa – e volta a atravessar – sem parecer poder recuperar o fôlego. E lembrou-se do belíssimo poema de Sophia, que tão bem retrata o nosso país. Partilho-o agora convosco.

Esta Gente

Esta gente cujo rosto
Às vezes luminoso
E outras vezes tosco

Ora me lembra escravos
Ora me lembra reis

Faz renascer meu gosto
De luta e de combate
Contra o abutre e a cobra
O porco e o milhafre

Pois a gente que tem
O rosto desenhado
Por paciência e fome
É a gente em quem
Um país ocupado
Escreve o seu nome

E em frente desta gente
Ignorada e pisada
Como a pedra do chão
E mais do que a pedra
Humilhada e calcada

Meu canto se renova
E recomeço a busca
De um país liberto
De uma vida limpa
E de um tempo justo

Sophia de Mello Breyner Andresen, in “Geografia” (1967)