Uma amiga muito querida enviou-me hoje um poema de Sophia de Mello Breyner Andresen. Pensava ela, a minha amiga, nos problemas que o nosso país atravessa – e volta a atravessar – sem parecer poder recuperar o fôlego. E lembrou-se do belíssimo poema de Sophia, que tão bem retrata o nosso país. Partilho-o agora convosco.
Esta Gente
Esta gente cujo rosto
Às vezes luminoso
E outras vezes tosco
Ora me lembra escravos
Ora me lembra reis
Faz renascer meu gosto
De luta e de combate
Contra o abutre e a cobra
O porco e o milhafre
Pois a gente que tem
O rosto desenhado
Por paciência e fome
É a gente em quem
Um país ocupado
Escreve o seu nome
E em frente desta gente
Ignorada e pisada
Como a pedra do chão
E mais do que a pedra
Humilhada e calcada
Meu canto se renova
E recomeço a busca
De um país liberto
De uma vida limpa
E de um tempo justo
Sophia de Mello Breyner Andresen, in “Geografia” (1967)