A génese de um projecto com causa

O meu amigo blogger Nelson Carvalheiro, como eu defensor orgulhoso da nossa cultura e gastronomia, lançou um projecto entre bloggers para o qual me convidou: escrever um pequeno ensaio em que defendemos (porque acreditamos, claro) que o Porto lidera na gastronomia europeia, graças às gastronomias do Norte de Portugal.
Do projecto fazem também parte os bloggers Elena Paschinger de Creativelena.com, Gabriella Opaz de Catavino.net, André Apolinário de Tasteportofoodtours.com, Arturo Bandino de Thecitytailors.com e Rita Branco de Oportoencanta.com.
É com muito entusiasmo que aceito e agradeço o convite e vos deixo aqui o meu testemunho para esta causa.

PORTO, A PRÓXIMA CAPITAL DA GASTRONOMIA EUROPEIA

Vista do Porto - Fotografia da autoria do Porto Visitors Center Bureau

Por que é que o Norte de Portugal deve ser o próximo destino gastronómico da Europa, com o Porto como capital?

O Norte de Portugal é a região mais antiga, rica e diversificada do país em termos de gastronomia, património e tradições, até porque é mais povoada do que o Sul e foi a partir do Norte que Portugal se formou enquanto nação independente. Quem é do Norte, como eu, vianense e minhota, sabe o que este legado contempla e não tem dúvidas de que é dos melhores que poderá encontrar em todo o mundo. Ainda mais se já viveu noutros países ou mesmo noutras regiões de Portugal. Eu vivi em Viana do Castelo, Braga, Barcelona, Lisboa e Trier (Alemanha) e viajei por muitos países europeus, onde experienciei cada lugar. Depois de todas as viagens, sinto que o Porto tem um modo de ser especial, que emana um sentido de pertença fortemente identitário. Esse sentido do Porto é tranversal à mais vasta região nortenha e é transformado em sabor pela gastronomia, com um empenho digno do lema do Infante Dom Henrique, Talent de bien faire. Eis como essa metamorfose acontece.

Na confluência de três regiões de enraizada tradição gastronómica…

O Porto é o centro nevrálgico do Norte, onde coabita com Braga, Viana do Castelo, Vila Real e Bragança e parte dos distritos de Aveiro, Viseu e Guarda. Minho, Trás-os-Montes e Alto Douro, três das regiões mais associadas no imaginário dos portugueses à boa comida e boa bebida, são no Norte. Capital nortenha e grande centro urbano, a Invicta é também cidade costeira e beneficia do acesso diário a peixe fresco da melhor qualidade na lota de peixe de Matosinhos ou em mercados como o histórico Mercado do Bolhão. Pelo rio chegavam ao Porto os melhores produtos do interior nordestino, que contribuíram para a evolução da sua carta gastronómica. Era pelo Douro que navegavam os Barcos Rabelos carregados de inebriantes pipas de Vinho do Porto, que eram descarregadas para os grandes armazéns em Vila Nova de Gaia.

A gastronomia do Norte é das mais ricas do mundo. No litoral privilegia o peixe e os mariscos da costa atlântica. No interior dá primazia às carnes e aos enchidos.

Hoje o Porto serve nos seus muitos restaurantes e tascas esta herança de sabores que para aqui convergem como afluentes do território único que é o Norte.

.

Arroz de Polvo do Comme Ça

… e de três regiões vitivinícolas, entre as quais a mais prestigiada do país!

O Nordeste português é dominado pelo Alto Douro Vinhateiro, a região vinícola demarcada mais antiga do mundo, decretada pelo Marquês de Pombal em 1756. É uma região única que conjuga a riqueza do solo xistoso e da ampla exposição solar com um microclima endógeno e a paisagem construída arduamente pelas gentes do Douro. A sua paisagem cultural valeu-lhe o título de Património Mundial da Humanidade pela UNESCO, um título só igualado pela Paisagem Cultural da Vinha da Ilha do Pico em todo o país.

Com uma ampla diversidade de castas, o Douro Vinhateiro produz vinho há mais de 2000 anos! A sua qualidade é reconhecida pelos constantes prémios internacionais – em 2014, o Dow’s Port foi classificado como o melhor vinho do mundo pela Wine Spectator, que atribuiu ainda três dos quatro primeiros lugares a vinhos da Região Demarcada do Douro (ver lista completa aqui).

Vera Dantas no Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto_inteiro

A Noroeste, situa-se a região dos Vinhos Verdes, leves e frescos, de que se destaca a casta Alvarinho, presença habitual nas mesas do Minho. No extremo Nordeste, a norte da região do Douro, reina a região vitivinícola de Trás-os-Montes, conhecida pelos seus vinhos tintos frutados e levemente adstringentes.

Onde a Gastronomia é identidade

Concordo com o Nelson Carvalheiro quando diz que, ao viajarmos, procuramos a comida local do nosso destino, aquela que nos dá um autêntico sentido de lugar. Na Polónia adoro comer uma sopa Żurek, na Áustria rendo-me à Sachertorte e nos Alpes não resisto a uma Raclette… Como no Norte português há muitos pratos locais e únicos, não é de estranhar que a actividade preferida de quem nos visita seja experimentar a nossa gastronomia (mais informações aqui).

Robalo fresco na grelha, do Restaurante Victa - veja o meu artigo em http://portoenvolto.com/2014/09/25/tudo-a-lenha-a-beira-douro/

A cozinha praticada no Porto, por se situar no Sudoeste da Europa, é parte da tradição mediterrânea, com o pão, o vinho, o azeite, as ervas aromáticas e o peixe, muito presentes nas refeições. A diversidade gastronómica que se encontra nesta cidade é extensa e pode ser verdadeiramente apreciada na Carta Gastronómica de Portugal – Região Norte. Este verdadeiro tratado da nossa genuína gastronomia, da autoria da Associação Portuguesa de Hotelaria, Restauração e Turismo, é um testemunho valioso do património gastronómico do Norte e presenteia os leitores com as receitas de todos as entradas, pratos e sobremesas que apresenta numa selecção digna de louvor.

Pão, azeitonas e azeite sempre presentes - Entradas bem nortenhas da Casa Garrett

O que não pode perder quando visitar o Porto é o prato que só no Porto se faz. Mais do que um prato, as Tripas à Moda do Porto – compostas por dobrada de vitela com enchidos e feijão branco – são um modo de ser do seu povo. Remontam ao início da Expansão Marítima Portuguesa, há 600 anos atrás, quando os portuenses deram toda a carne que que tinham para as embarcações, ficando apensa com as tripas. Por representar o espírito de dádiva, sacrifício e disponibilidade dos portuenses, este prato viria a dar o cognome os habitantes do Porto, que com orgulho se afirmam “tripeiros”.

Tripas à moda do Porto_Foto da Associação de Turismo do Porto e Norte

 

Nos peixes, prove o genuíno Bacalhau à Gomes de Sá. Este prato de bacalhau lascado acompanhado por batatas às rodelas, azeitonas pretas, ovos cozidos, salsa e muito azeite é um requinte criado em finais do século XIX pelo comerciante portuense Gomes de Sá. Nas sobremesas, bem, nas sobremesas brilham os doces conventuais intensamente ricos em ovos como o pudim Abade de Priscos e o Toucinho do Céu, os Papos de Anjo de Amarante, que devem ser harmonizadas com o divino Vinho do Porto ou um delicado Moscatel do Douro.

Os restaurantes, ou melhor, as pessoas!

No Porto há todo o tipo de oferta em termos de restaurantes, desde pequenas tascas, casas de tapas, restaurantes de luxo com chefs estrelas Michelin (Pedro Lemos, The Yeatman) até espaços descontraídos para comer bem e com muita variedade, como o Mercado do Bom Sucesso.

 

Mercado do Bom Sucesso

Mas é nos pequenos espaços de restauração que o sentido do Porto é servido à mesa – generosamente, com o sabor a prevalecer sobre empratamentos elaborados e aquela simpatia franca que nos faz querer voltar. A abundância de tascas, onde o negócio é por norma familiar e o saber passa de geração em geração, é tal que torna difícil a escolha (Tasca da Badalhoca, Casa Guedes ou Venham Mais Cinco  são apenas alguns – bons – exemplos).

Nos novos restaurantes que têm surgido nos últimos anos animando a Baixa, em geral são jovens empreendedores que estão à frente dos espaços, quase sempre com design de interiores apelativo e acolhedor como o Pão que Ladra, o Brick Clérigos, O Reco da Baixa ou o Burgo Art Burgers. Os menus podem até ter toques de cozinha contemporânea, mas o cerne dos pratos vai buscar o melhor da tradição nortenha, com ingredientes que provêm das nossas zonas de Denominação de Origem Protegida, de que resultam delícias como os Hamburgueres de Carne Barrosã que são servidos n’A Casa do Evaristo. Merece um especial destaque a nova Casa Garrett, em que o menu é inspirado no roteiros do romance Viagens na Minha Terra, de Almeida Garrett, apresentando uma variedade de sabores de origem que glorificam o Norte e louvam o Porto, como vos conto no meu artigo sobre .

Vera Dantas com o chef Alex Pereira e o gerente Filipe Magalhães da Casa Garrett

Agora, o que no Porto é marca registada com direitos de autor é a arte de bem receber e de servir ainda melhor. É transversal a todos os tipos de restaurante e não há quem lhe fique indiferente. Como conseguem os empregados dos movimentados cafés da cidade ter um sorriso e olhar as pessoas nos olhos ao fim de um duro dia de trabalho é um fenómeno que me continua a surpreender, ainda mais quando regresso de viagem e vejo o quanto é especial e invulgar. Não se trata de um sorriso plástico, é antes um momento de partilha, em que percebemos que fazemos parte… do Porto!

À noite o tempo é da Francesinha

O Porto está revitalizado, de dia e de noite. Ao contrário de outras cidades que ficam praticamente desertas quando o comércio e os escritórios fecham, o Porto é o local para onde as pessoas VÃO. Vêem da Póvoa de Varzim, de Vila do Conde, de Viana do Castelo, de Aveiro ou de Braga com a mesma facilidade com que saem de casa para jantar fora. E, cada vez mais, vêem de toda a Europa e do resto do mundo. Porque o Porto tem vindo a conquistar o merecido reconhecimento como Melhor Destino Europeu.

Zonas como o Passeio dos Clérigos ou a que vai da Trindade à Praça Carlos Alberto, além da Ribeira e, na outra margem, a zona de restauração e bares de Gaia, estão constantemente cheias de gente, de várias gerações e nacionalidades, que aproveita a noite da melhor maneira com um bom jantar seguido de um convívio sem pressas numa das muitas esplanadas ou num dos bares trendy da cidade. E é nestas ocasiões que nada acompanha melhor o espírito do que as famosas Francesinhas.

 

Francesinha_Foto de Rui Borges CC Porto Convention and Visitor Bureau

A paisagem e as cores à mesa

A paisagem da cidade é também Património da Humanidade desde 1996 (sim, outro prémio na mesma e grande categoria… parece que a UNESCO encontrou aqui um local à medida das suas ambições).

No Porto pode-se pequeno-almoçar, almoçar, lanchar, jantar ou cear sempre com uma vista fabulosa no âmago de um contexto histórico único.

Da paisagem do Porto fazem parte o rio e o mar, Douro e Atlântico, numa combinação que junta numa só tradição vinhos, carnes e enchidos e peixe, criando harmonizações entre os néctares e os manjares que só aqui se compreendem e saboreiam.

Vera Dantas no Terrace Lounge da Porto Cruz

 

Depois – ou antes e sempre – temos o sol e não é demais lembrar que Portugal é dos países com mais horas de sol por ano, sobretudo quando passamos uns dias nos países mais a Norte da Europa e nos damos conta da sorte que temos por isso mesmo. Muito sol, que com ele traz muita cor, calor também, boa disposição e uma sensação de tempo alargada.

E as cores. Azul aquático, azul celeste, azul monumental do nosso património construído, entre igrejas, palácios e museus. Branco solar, nas caiadas casas minhotas e nos solares e quintas do Minho ao Douro e Trás-os-Montes. Branco cor de luz que realça as cores dos frutos, legumes, peixes, especiarias e carnes, o verde do azeite e o dourado ou rubi dos vinhos e licores. Tudo isto é do Porto. É preciso vir cá para absorver a sua plenitude. Venham!